segunda-feira, 24 de novembro de 2008

(04/12) Eu cresci!!!/ Encontro XXX

Apesar de sempre questionar o modo como grande parte dos professores de Língua Portuguesa concebe o ensino da norma padrão, da leitura e da escrita, pouco fazia para romper com essa concepção. Entretanto, a partir do estudo do Módulo II e da realização da atividades propostas por ele, passei a investir em novas metodologias em sala de aula. Além dessa mudança, também tenho proposto aos meus colegas de escola muitas das reflexões que temos feito ao longo do curso. Tenho defendido o seguinte discurso: o professor, quando impõe ao aluno apenas o uso da norma padrão como "fala correta" , reforça o discurso que privilegia o preconceito lingüístico e desqualifica os indivíduos iletrados ou menos escolarizados como legítimos falantes do português brasileiro.
O curso, associado às atividades propostas pela tutora e às discussões nos 30 encontros, contribuiu para que eu pudesse rever conceitos importantes para o desenvolvimento da escrita e da leitura dos meus alunos. Conseqüentemente, o meu planejamento também foi revisto. Para o 4° bimestre, partindo do tema "Escola e Diversidade", preparei um roteiro de atividades de produção textual contemplando todos os gêneros. Assim, espero que os alunos possam relacionar os textos produzidos com a sua finalidade social. Para cada situação, os alunos serão esclarecidos sobre o propósito da escrita, o interlocutor do texto e a situação discursiva para que possam produzir textos adequados às necessidades apresentadas pela turma. Para que escrevam sobre o que consideram importante e para o público que querem atingir, haverá um momento voltado à pesquisa, à leitura e à discussão dos dados levantados sobre o tema. Desse modo, eles escreverão partindo de uma situação real: divulgar informações, emitir opinião, propor soluções para os problemas detectados, mobilizar os leitores para alguma iniciativa, denunciar atitudes e comportamentos, etc.
Eu cresci! As leituras e as conversas abriram caminho para uma reavaliação da minha prática pedagógica. Hoje defendo com veemência o ensino da língua que garanta ao aluno a possibilidade de ampliar o seu domínio do português. Isso significa, em outras palavras, investir em aulas de leitura e escrita (dos mais variados gêneros) a fim de que o desenvolvimento da competência interacional do aluno seja, de fato, contemplado e lhe possibilite monitorar a sua fala de acordo com as sua necessidades e o contexto discursivo.

(27/11) Quando a teoria bate à porta da prática/ Encontro XXIX

O curso me propiciou o encontro e o reencontro com a pesquisa e a leitura de forma mais intensiva. O estudo dos módulos 1, 2 e 3 da área específica desencadeou em mim a necessidade de rever o meu olhar sobre o ensino da Língua Portuguesa, seja no que se refere ao ensino da norma padrão em face das variedades e da mudança lingüística, seja no que se refere ao trabalho com a leitura e a produção de textos. O resultado é que agora só acredito na utilidade da minha aula se o conhecimento construído estiver diretamente ligado ao caráter sociopragmático da língua. Em outras palavras, o ensino de uma regra, a leitura de um texto e a produção textual necessariamente têm de estar relacionados com o uso real da língua. Ao solicitar que o aluno escreva, por exemplo, procuro enfatizar a situação sociocomunicativa que envolve essa produção: seus interlocutores, sua intencionalidade, seu contexto histórico ou social, sua função social, etc.
O estudo do Módulo II foi enriquecedor. Ficou claro que ensinar a língua é, principalmente, investir em práticas pedagógicas que reiterem o seu aspecto sociopragmático. Segundo BORTONE (2008),o professor deve buscar nas novas teorias uma metodologia que possibilite o desenvolvimento da competência interacional dos alunos (tanto na escrita quanto na modalidade oral) para que eles possam fazer uso da língua com competência comunicativa. Sendo assim, não faz mais sentido o ensino exclusivamente metalingüístico voltado para o aprendizado das regras da gramática normativa. É fundamental que o professor saiba trabalhar com atividades e pesquisas que levem a turma a perceber a funcionalidade dos mais variados usos da língua em seus mais variados contextos.
A partir do momento em que o professor passa a trabalhar a norma padrão vinculada a situações reais de uso, o ensino da língua passa a privilegiar a inserção, de forma autônoma e consciente, de indivíduos na cultura letrada e, além disso, torna-os capazes de ampliar a sua capacidade de monitoramento da língua de acordo com as exigências de cada situação discursiva ou conforme as suas intenções. Nesse contexto, as aulas deixam de ser a mera e monótona reprodução de normas gramaticais e tranformam-se em um democrático ambiente onde " a gramática da norma padrão precisa ser ensinada de uma maneira reflexiva e inserida em contextos discursivos para, dessa forma, possibilitar ao aluno o domínio desta norma e, assim, poder monitorar seu estilo de fala" (BORTONE, 2008: 29).

(20/11) Tecendo textos/ Encontro XXVIII

A escrita na sala de aula deve ter sentido e objetivo reais. Não é mais concebível gastarmos nosso tempo e o tempo do nosso aluno com a leitura e a escrita de textos, cuja única finalidade seja receber uma nota. Mais uma vez, vale lembrar que todo texto cumpre uma finalidade social específica e que, justamente por essa razão, organiza-se também de uma forma específica. Portanto, não existe uma fórmula para a "boa escrita". Diante disso, o professor deve abandonar as velhas planilhas-padrão de correção textual e adotar novos critérios à medida que forem produzidos novos gêneros. Os elementos que tornam um texto coerente e coeso podem ser os responsáveis pela falta de coesão e de coerência de outro. Ou ainda: construções coloquiais podem ser completamente inadequadas a determinados textos e excelentes recursos expressivos em outros. Nessa perspectiva, trabalhar os problemas de organização textual implica, em primeiro lugar, destacar a finalidade do texto que se escreve, para quem se escreve e a situação na qual se escreve. O segundo passo refere-se à avaliação do texto produzido. O professor deve estabelecer etapas para essa avaliação e nunca avaliar todos os aspectos do texto de uma só vez. A avaliação deve ser processual. No lugar de uma nota, o professor deve discutir com o aluno como foi o seu desempenho em relação a determinado aspecto. Se a produção textual visava avaliar o uso dos elementos coesivos, nesse momento, a ortografia, a acentuação gráfica e a colocação pronominal, por exemplo, não podem determinar a avaliação. Esses aspectos devem ser considerados nas outras leituras que o professor fará desse mesmo texto.

(13/11) O reino das fábulas e das piadas/ Encontro XXVII

Se já está clara a necessidade de se trabalhar a leitura na escola sob uma perspectiva intersemiótica, também deve estar claro que a seleção de textos pelo professor deve levar em conta as experiências e o conhecimento prévio do seu aluno. Nesse sentido, as fábulas e as piadas podem servir como excelente material para o desenvolvimento de leitores proficientes. Ambos os gêneros, além de valorizarem a linguagem mais próxima da fala das crianças e dos adolescentes, constituem-se, normalmente, de narrativas breves sobre situações que remetem ao cotidiano, isto é, são histórias perfeitamente "aplicáveis" às experiências de vida da turma. Quando se fala da dimensão infratextual, das pistas que levam às inferências, nada melhor do que o trabalho com a piada. Esse gênero textual é rico em estereótipos (o baiano preguiçoso, o português burro, o nordestino machista, etc) e em convenções culturais ( o padre que não pode namorar, o pai que quer a filha virgem até o casamento, etc) que estimulam o aluno a recorrer aos seus conhecimentos prévios para identificar o humor. Em outras palavras, a leitura de piadas em sala de aula leva o aluno a perceber que nem tudo está dito no texto, que ele deve acionar as suas experiências de mundo ( episódios vividos e/ou outros textos lidos) para que seja um leitor proficiente.

(06/11) Dois dedos de prosa/ Encontro XXVI

Um dedo de prosa

De acordo com Cristina Damim e Marinella Stefani Peruzzo (2006), a avaliação dos dicionários escolares deve obedecer a dois critérios:
a) Critérios lingüísticos (baseados nas características das línguas e/ou de uma teoria da linguagem): tipo de informação oferecida (lingüística, enciclopédica ou mista), forma de acesso, densidade da nomenclatura (quantidade de artigos léxicos), tipo de linguagem da definição4 (com linguagem adaptada ou não ao seu público), informações microestruturais (separação silábica, pronúncia, classe gramatical, exemplos, sinônimos, antônimos, definição, indicações de uso, remissões, diminutivo, aumentativos, flexões);
b) Critérios de funcionalidade (aqueles que dizem respeito à relação entre o consulente e o uso que fará da obra): seleção macroestrutural (tipos de unidades escolhidas para figurar na macroestrutura: palavras e/ou “coisas”), finalidade/função (ajudar o usuário a conhecer as palavras, estabelecer relações entre as coisas e seus nomes, oferecer significados, informações gramaticais e informações para codificação e outras), público-alvo e suas necessidades (usuário identificado pela relação entre suas necessidades lingüísticas e grau de escolaridade), contextos em que é usado (etapas escolares e usos fora da escola), presença de ilustrações (essenciais ou adicionais), projeto gráfico-material (tamanho das letras, tipo de papel, uso de cores, dentre outros).
Em síntese, mais importante do que esses critérios deve ser a preocupação do professor com a clareza e a objetividade das definições e a adequação do dicionário às necessidades e aos interesses dos alunos. O que não pode mais ocorrer em sala de aula é a consulta a um dicionário que confunde, distorce significados e ratifica preconceitos.
Outro dedo de prosa
Em muitas ocasiões, quando se trabalha a leitura em sala de aula, o professor enfatiza tão somente os aspectos lingüísticos do texto. Essa prática condiciona o aluno a pensar que ler bem significa apenas decodificar os significados das palavras e, dessa forma, ele passa a entender- equivocadamente- que, quanto maior for o seu acervo lexical, maior será o seu domínio da leitura. Quem nunca ouviu o seu aluno dizer, por exemplo, que o texto estava difícil porque ele não conhecia determinadas palavras?
Em pleno século XXI, quando o mundo assiste a uma intensa e diversificada (r)evolução da comunicação, a escola tem o dever de mudar a sua postura diante do texto. O aluno só será capaz de ler com proficiência quando o professor levá-lo a ultrapassar a dimensão explícita do texto, quando ele for capaz de compreender que todo texto cumpre uma finalidade social e que, portanto, está inserido em uma situação sociocomunicativa. Dito de outra maneira, o aluno só será capaz de entender os pressupostos e subentendidos de um texto quando tiver contato em sala de aula com uma prática de leitura que envolva todas as dimensões textuais: o contexto social a que o texto se refere, as estratégias que o autor usa para desenvolver o tema, as pistas no texto que levam às informações inferenciais, as marcas estilísticas e coesivas que definem o gênero do texto e a intertextualidade presente no texto. Portanto, trabalhar a leitura na escola significa explorar o texto como um corpo lingüístico que veicula intenções e experiências de mundo e que, por essa razão, exige a intervenção do leitor como um ser crítico e com um horizonte de experiências indispensável para uma leitura proficiente.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

(30/ 10) A teoria na prática/ Encontro XXV

Depois de duas semanas voltadas para o estudo e a discussão do assunto “Norma padrão e variedades lingüísticas”, propus à turma uma atividade avaliativa, chamada “Construção em Parceria”, que deveria ser realizada em dupla. Assim, cada grupo recebeu dois textos (na verdade, dois bilhetes redigidos por mim), que apresentavam o mesmo conteúdo: o remetente (Edson), por ocasião do aniversário da sua namorada, solicitava ao destinatário um empréstimo para poder presenteá-la com um CD. Todavia, a diferença fundamental entre os dois textos estava na linguagem empregada. No primeiro caso, o destinatário era Daniel, o melhor amigo do Edson, que nessa situação comunicativa, optou pela linguagem coloquial. Já no segundo caso, o pai da namorada do Edson era o seu interlocutor, circunstância que determinou o uso da norma padrão.
Após a leitura desse material, solicitei à turma que identificasse essa diferença, ao que a maioria correspondeu positivamente. Em seguida, reforcei os conceitos de norma padrão e de variedades lingüísticas e redigi no quadro as seguintes questões, que deveriam ser discutidas e respondidas por escrito pelas duplas:
1.Ambos os textos apresentam o mesmo conteúdo. Identifiquem-no e registrem a sua resposta abaixo.;
2.Considerando que o destinatário de cada um dos bilhetes é diferente, expliquem por que o Edson optou por uma linguagem também diferente em cada um deles.;
3.Confrontando os dois textos e baseando-se na resposta à questão anterior, é correto dizer que só usa a linguagem coloquial quem não domina a norma padrão? Por quê?;
4.Diante das situações apresentadas pelos textos, escrevam um breve comentário sobre a importância do ensino da norma padrão da língua portuguesa.;
5.Agora, coloquem-se no lugar do Daniel e escrevam um bilhete ao Edson respondendo ao seu pedido.
Além de avaliar o conhecimento dos alunos sobre o assunto em pauta, essa atividade pretendia verificar o resultado das discussões, audições e leituras que desenvolvemos nas aulas acerca do preconceito lingüístico, das relações de poder e da exclusão social determinadas pelo uso da língua, da importância do saber adequar a linguagem a cada situação comunicativa e do porquê estudar a língua portuguesa na escola. A opção por esse instrumento avaliativo visava, também, diagnosticar como os alunos lidariam com a divisão de tarefas, o saber ouvir e falar, a argumentação e a expressão escrita. Com esse intuito, procurei acompanhar todas as duplas durante a atividade com intervenções e provocações.
Apesar de bastante heterogêneos, foram três os resultados mais marcantes dessa avaliação. Em primeiro lugar, a maioria da turma, embora tenha correspondido de forma satisfatória às questões 1, 2 e 3, apresentou comentários pouco ou nada consistentes sobre a questão 4: de acordo com quase todas as duplas, conhecer a norma padrão significava apenas comunicar-se melhor, o que desmerecia, portanto, a eficiência comunicativa do bilhete direcionado ao melhor amigo do Edson. Em segundo lugar, ao redigirem o texto, conforme a solicitação da questão 5, cerca de 50% das equipes empregaram a norma padrão e tentaram compor, surpreendentemente, um discurso formal, totalmente inadequado para a situação proposta. Por último, do universo de 22 duplas, 17 demonstraram dificuldades com a expressão escrita. As construções precárias, a falta de seqüência lógica do raciocínio e as falhas na coesão foram os problemas mais freqüentes na redação das respostas.
Com base nessas e outras informações, percebi que a atividade foi produtiva para os alunos, uma vez que, partindo de uma situação muito próxima da sua realidade, consegui quebrar “o gelo”, sensação desfavorável a um momento de avaliação. Além disso, o trabalho em parceria propiciou o diálogo, a divisão de tarefas e a construção de conhecimento, habilidades e competências desprestigiadas pela “prova”. Para o professor, foi uma excelente oportunidade para conhecer a realidade que permeia o dia-a-dia em sala de aula: os erros e os acertos de certas ações pedagógicas, as reais necessidades e os interesses dos alunos e a importância da relação dialógica entre os sujeitos da aprendizagem em busca da construção de conhecimentos significativos. Entretanto, esse instrumento, de certo modo, impediu uma identificação mais precisa da aprendizagem individual do aluno: as dificuldades, as dúvidas, as opiniões e as descobertas de cada um deles em particular foram, em parte, “camufladas” pelo trabalho em dupla, como pude constatar com falas do tipo: “Se eu tivesse escrito ou fizesse sozinho, não haveria esse problema.”.
Diante dessas constatações, ao analisar cada atividade, resolvi fazer apenas comentários sobre as respostas (apontando os problemas e reconhecendo os avanços) sem atribuir nota a elas. Ao conhecerem o seu desempenho, as duplas reagiram de uma forma interessante: ao mesmo tempo em que estranharam a falta de uma nota, sugeriram uma tranqüilidade não muito comum em dia de entrega de “prova”. Com as atividades em mãos, solicitei que cada dupla lesse atentamente os meus comentários para que, juntos, identificássemos as razões para o resultado do trabalho. Depois dessa discussão, propus à turma, na aula seguinte, que me sugerisse outras possibilidades de abordagem desse conteúdo e outros mecanismos de avaliação da aprendizagem. Também definimos que, em outro momento, retomaríamos essa atividade para desenvolvermos um estudo sobre coesão e coerência.

(23/10) Como encarar o erro?/ Encontro XXIV

Ao rejeitar a noção do “erro” e defender a variação e a mudança lingüística, o professor abre um precedente para a reflexão sobre o aspecto sociopragmático da língua, ponto crucial para o desenvolvimento da competência interacional do aluno. De acordo com a metodologia interacionista, não existe uma fala certa ou errada, mas sim uma fala adequada ou inadequada a uma situação comunicativa. Portanto, “a gramática da norma padrão precisa ser ensinada de uma maneira reflexiva e inserida em contextos discursivos para, dessa forma, possibilitar ao aluno o domínio desta norma e, assim, poder desenvolver a capacidade de monitorar seu estilo de fala” (BORTONE, 2008: 29). Sendo assim, o professor não pode restringir-se apenas ao ensino dos aspectos lingüísticos da fala, mas sim priorizar o ensino da língua vinculada às suas situações de uso. A escola tem o dever de garantir uma educação baseada no pressuposto de que “toda e qualquer variedade lingüística é plenamente funcional, oferece todos os recursos necessários para que seus falantes interajam socialmente, é um meio eficiente de manutenção da coesão social da comunidade em que é empregada” (BAGNO, 2007: 48) e, além disso, tem organização gramatical, segue regras e tem uma lógica lingüística perfeitamente demonstrável (PERINI, 2004).

(09/10) Traços descontínuos e graduais/ Encontro XXIII

De acordo com a professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, entender a variação no português falado no Brasil pressupõe conhecer que não há fronteiras rígidas entre os diversos usos da língua, ou seja, apesar de determinados usos serem específicos de alguns grupos sociais ou estarem restritos a certas situações, há outros que se verificam na fala de todos os brasileiros, mesmo nas situações que exigem monitoração estilística. Sendo assim, ela propõe que o professor saiba identificar as variedades lingüísticas a partir de três linhas imaginárias chamadas contínuos: o de urbanização (dos falares rurais mais isolados até os falares urbanos mais obedientes à norma padrão), o de oralidade-letramento (dos eventos não influenciados pela língua escrita até aqueles mediados por ela) e o de monitoração estilística ( das interações mais espontâneas até aquelas que exigem bastante atenção do falante). Com base nessa identificação, será possível ao professor perceber que existem tanto os traços graduais (presentes na fala de todos ou quase todos) quanto os traços descontínuos (restritos a certos grupos sociais) no português brasileiro (BORTONI-RICARDO, 2004). Enquanto, por exemplo, a vocalização da consoante lateral palatal /lh/ em “cuié” é um traço descontínuo, pois é própria do falar rural, a elevação da vogal /o/ para /u/ em “negóciu” representa um traço gradual, pois é uma regra generalizada em nossa língua.

(02/ 10) A mudança lingüística pede passagem/ Encontro XXII

Na perspectiva de uma escola democrática e, portanto, aberta à diversidade, o professor de Língua Portuguesa precisa desenvolver um trabalho sistematizado em face das variedades e da mudança lingüística. Ele não pode, por exemplo, abordar o fenômeno da variação restrito ao campo do vocabulário e sob a óptica dos regionalismos e gírias. É fundamental que ele trabalhe no sentido de levar o aluno a compreender que toda língua é heterogênea e está sujeita à mudança nos campos do léxico, da fonologia, da morfologia e da sintaxe. Mais do que isso, é necessário enfatizar que todo falante transita por situações que exigem, ora mais, ora menos a monitoração do estilo. Nesse caso, o aluno perceberá que aprender a norma padrão significa ampliar o seu repertório lingüístico e desenvolver a sua capacidade de fazer o uso monitorado da língua sempre que julgar adequado ou for exigido por uma determinada situação.

(25/09) Experiências de Leitura/ Encontro XXI

As escritoras Margarida Patriota e Lucília Garcez ratificaram a importante relação entre o texto e o horizonte de experiências do leitor para que ocorra a leitura proficiente. Ninguém vê sentido naquilo que nada lhe diz ou naquilo que não lhe soa interessante. Diante disso, o trabalho do professor com o letramento deve partir das necessidades reais, das histórias de vida dos seus alunos. Portanto, depois de conhecer a realidade da turma, o professor tem de adotar uma metodologia de leitura que contemple os mais variados gêneros textuais e enfatizar a finalidade sociocomunicativa de cada um desses gêneros. Quando o aluno for capaz de reconhecer as razões socias de um texto, ele será também capaz de compreender outros tantos discursos que não fazem parte do seu cotidiano, mas que são impostos pela sociedade como importantes veículos dos acontecimentos, dos direitos e deveres e da cultura do seu grupo social e, dessa maneira, promoverá a sua inserção, de forma crítica e autônoma, na sociedade letrada.

(11/09 e 18/09) Deslínguas/ Encontros IX e XX

"Desmundo", filme de Alain Fresnot, adaptado do romance homônimo de Ana Miranda, é um excelente material para quem se interessa pelo processo de formação da língua brasileira. O filme é ambientado em 1570, época em que os portugueses enviavam órfãs ao Brasil para que casassem com os colonizadores. A tentativa era minimizar o nascimento dos filhos com as índias e que os portugueses tivessem casamentos cristãos. Essas órfãs viviam em conventos e muitas delas desejavam ser religiosas. Oribela, uma dessas jovens, acaba casando obrigada com Francisco de Albuquerque. Elas não são convidadas a viajar, nem questionadas, são obrigadas a ir, sem o direito de escolha. Nesse contexto, marcado por toda sorte de etnias e tipos humanos, a divesidade cultural e lingüística é um traço marcante. A sensação é de que as línguas (português, francês, espanhol, dialetos indígenas), ao se encontrarem, passam por um processo de desconstrução e depois transformam-se em outras variedades que transitam entre o idioma de origem e as novas construções resultantes das novas relações dos personagens. Aos professores de Língua Portuguesa e alfabetizadores, a obra serve como fonte de pesquisa, uma vez que sinaliza para o movimento natural e ininterrupto de variação e mudança pelo qual passa toda língua. Eis aí um bom argumento contra aqueles que ainda insistem em pregar o culto do "erro".

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

(04/ 09) O que é ler?/ Encontro XVIII

Depois de ler "Ler= Muito Prazer", de Lucília Garcez, não houve maneira de deixar de pensar com paixão no ofício de promover o letramento do outro, ou melhor, na dura missão do professor de contribuir para o desenvolvimento da competência textual do aluno. Se o mundo atual oferece cada vez mais um maior número de suportes e gêneros textuais e exige cada vez mais que o cidadão esteja habilitado a acessar a diversidade de informação veiculada por eles, cabe à escola tornar o aluno um leitor competente. Entretanto, para que esse trabalho tenha êxito, o professor deve partir das seguintes premissas:
  • se todo texto possui uma dimensão discursiva, pois tem uma função social específic, identificar o contexto no qual ele é produzido e ao qual se refere é indispensável ;
  • se todo texto apresenta uma unidade de sentido, é essencial a análise da dimensão textual, dos mecanismos responsáveis pela sua coesão e coerência;
  • se todo texto apresenta uma dimensão infratextual, o aluno deve ser instruído a analisar pressupostos e subentendidos que o levam às inferências;
  • se todo texto possui uma dimensão intertextual, o professor deve acionar o conhecimento prévio do aluno ou, se preciso, oferecer-lhe condições de acessar a informação necessária para a compreensão de determinado texto.
Se o homem está inserido em diferentes práticas sociais, que são estabelecidas em função dos níveis de letramento de cada indivíduo, a escola deve lidar com a leitura ressaltando que o texto é um ato de compartilhar essas relações. Portanto, muito mais do que ensinar a gramática normativa, o professor deve trabalhar a leitura a partir da finalidade à qual se propõe qualquer que seja o texto. Quando o leitor reconhece a razão de existir daquilo que lê, ele passa a reconhecer também a coerência, a intencionalidade e as informações implícitas desse texto.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

(14/08 e 28/08 )Intergenericidade: quando um gênero dialoga com outro/ Encontros XVI e XVII

A intergenericidade é, de acordo com Koch (2006), um fenômeno de hibridização, de mistura de gêneros ou de intertextualidade intergêneros. Em outras palavras, consiste na possibilidade de um determinado gênero apresentar uma forma híbrida, isto é, apresentar a forma de outro gênero. Pensando nessa possibilidade, resolvi brincar assim:
Gama, 14 de agosto de 2008
Prezadíssimo Útero:
Estou aqui, mais uma vez, prestes a fazer-lhe uma visitinha. Digo-lhe isso, caro Forno, pois já consigo enxergar de uma outra dimensão as partes que sempre, quando juntas, me formam. Bem ali, sobre uma já conhecida mesa, estão 4 ovos, 1 lata de leite condensado, 2 xícaras de chá de coco ralado, 1 colher de sopa de fermento em pó, manteiga (para untar a placenta) e açúcar de confeiteiro para me polvilhar no pós-parto. É isso mesmo: daqui a pouco você será fecundado para que eu possa nascer...
É só ter paciência. Aprendi a esperar que alguém coloque na batedeira as gemas para que elas se transformem num creme leve e fofo e, nesse instante, adicione o leite condensado aos poucos e sem parar de bater. Quando esse alguém desligar a batedeira e juntar o coco ralado, eu já estarei quase parecido comigo e bem perto de você, amigo Útero. Depois é só mexer bem o creme com uma espátula, adicionar o fermento peneirado e misturar bem.
Após esse período, mãos carinhosas deverão bater as claras em neve e juntá-las à minha massa (em movimentos leves e delicados para que o ar incorporado não se perca). Em seguida, esse feto deverá ser colocado em uma forma -com furo central e untada- e levado até você já pré-aquecido. Ao me retirarem de suas entranhas, caro Útero, depois de frio, serei polvilhado com açúcar de confeiteiro (meu talquinho) e estarei pronto para o deleite das bocas sedentas.
Um forte abraço e até breve,
Futuro Bolo de leite condensado e coco.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

(07/08) Gêneros e Tipos Textuais e Estudo da História da Língua Portuguesa/ Encontro XV

Primeiro Tempo
(...) a leitura de um texto exige muito mais que o simples conhecimento lingüístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor é, necessariamente, levado a mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem lingüística como de ordem cognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim participar, de forma ativa, da construção do sentido.
(Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias)
Para "participar, de forma ativa, da construção do texto", conforme declaram as autoras, o leitor deve saber que cada ato de fala, necessariamente, visa cumprir uma função social específica e, por essa razão, organiza-se em torno de um gênero textual. Por exemplo: se ele deseja persuadir, faz uso do gênero propaganda; se pretende ensinar, usa o gênero didático; se procura fazer rir recorre ao gênero, etc. Além dessa função social, cada um deles apresenta marcas que os definem como tais. Sendo assim, gênero textual diz respeito à maneira como são organizadas as informações de acordo com a intenção sociocomunicativa do emissor, da sua relação com o receptor e das condições de comunicação. Portanto, cabe dizer que um gênero textual não se classifica por aspectos estruturais ou formais da língua. A forma e a estrutura lingüísticas definem o tipo de texto. Então, o que deve fazer o professor de Língua Portuguesa? Ele deve, sobretudo, passara investir em práticas de leitura que associem a decodificação à construção de sentido do texto. Para que ocorra uma leitura significativa, o aluno deve aprender a reconhecer a finalidade do texto, identificando o seu gênero e as marcas lingüísticas que definem o seu tipo.
Segundo Tempo
Qual a relevância do estudo da história da Língua Portuguesa para o seu trabalho cotidiano?
Em se tratando da mudança e da variação lingüísticas, é fundamental que o professor de Língua Portuguesa parta sempre do pressuposto de que "nada na língua é por acaso". Todas as formas de uso da língua são consistentemente explicáveis pela Sociolingüística. Desse modo, se o professor conhece a história da língua portuguesa e, especialmente, do português falado no Brasil, ele tem condições de, "diante da realização de uma regra não-padrão pelo aluno, (...) incluir dois componentes: a identificação da diferença e a conscientização da diferença."(BORTONI_RICARDO). Em outras palavras, ele pode levar o aluno a conhecer a razão de determinadas construções transgredirem a norma padrão e, o mais importante, conscientizá-lo da necessidade de aprender a monitorar a sua fala de acordo com determinadas situações.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

(31/07) Oralidade e escrita/ Encontro XIV

Assistimos a "Narradores de Javé", de Eliane Café. Além de possuir uma narrativa fantástica e de recriar de forma poética o encontro de vários "Brasis", o filme coloca em xeque um tema instigante: o poder exercido por aqueles que detêm a escrita sobre os que conhecem apenas a língua falada. Conta a história de um povoado que, ao saber da iminência de ter seu vilarejo inundado pelas águas de uma represa, vê, como único modo de impedir o acontecimento, a transformação do local em um patrimônio da humanidade. Para isso os moradores decidem passar para o papel todas as lendas sobre a origem de Javé, mas, como são todos analfabetos, chamam o escrivão local Antônio Biá para escrever um livro sobre o vilarejo. Acontece que Biá tinha sido banido de Javé por ter difamado praticamente toda a população através de cartas que ajudaram a salvar seu emprego nos Correios locais. Mas, no desespero que as tornam dependentes de um "escrivinhador", as pessoas da cidade acabam dando essa oportunidade de o escrivão se redimir. A partir daí, Biá passa a ir de casa em casa na região a fim de registrar no papel as lendas guardadas nas cabeças dos moradores de Javé. O único problema é que cada morador conta uma história diferente, e sempre defendendo os interesses de seus antepassados. De modo análogo ao filme, o professor, quando impõe ao aluno apenas o uso da norma padrão como "fala correta" , reforça o discurso que privilegia o preconceito lingüístico e desqualifica os indivíduos iletrados ou menos escolarizados como legítimos falantes do português brasileiro. Assim, estabelece uma relação sinistra de poder: só quem sabe as regras do "bom falar" será bem-sucedido, pois é inteligente e tem competência. Entretanto, segundo o professor Marcos Bagno, " a norma padrão não faz parte da língua, isto é, não é uma das variedades lingüísticas empiricamente observáveis no uso dos falantes em comunidade. (...) não existe língua, variedade e dialeto sem falantes reais, e ninguém fala a norma padrão." (BAGNO, 2008: 98). Em outras palavras, nem mesmo os falantes da norma "culta" seguem a norma padrão. Pense bem: será que somente os analfabetos e os demais "maus" falantes de português dizem "biscoitu" (biscoito), "penti" (pente) e "robo"(roubo)? Quantos falantes "cultos" usam, mesmo nas situações de extrema formalidade, "Fi-lo", "Dar-te-ei" e "Estes são elementos com CUJA ajuda podemos contar em nosso trabalho." ?

(03/07) Português padrão como segunda língua?/ Encontro XIII

Ouvir e conversar sobre a história da língua portuguesa no Brasil foi muito enriquecedor. Partindo do pressuposto de que toda língua é necessariamente heterogênea (e por essa razão suscetível de variação e mudança),o professor não pode deixar, em sua aula de gramática normativa, de apresentar ao aluno todo o processo histórico que determina as diferenças entre o português contemporâneo falado no Brasil e aquele falado em várias outras fases da nossa formação como país. Ao fazer isso, ele não só contribuirá para que o aluno perceba que todos os usos têm uma razão lógica interna ou externa à língua, como também levará a turma a perceber que todas as variações lingüísticas têm uma gramática plenamente funcional. Nesse sentido, o aluno passa a se reconhecer como um falante que possui um rico e eficiente repertório lingüístico (a gramática internalizada) e que, portanto, não aprenderá a língua na escola. é fundamental esclarecer que ensino da gramática não é sinônimo de ensino da língua. O aluno, sobretudo o do Ensino Médio, domina um repertório lingüístico plenamente funcional, articulado e complexo, ou seja, a língua já é para ele um conhecimento interiorizado. Esclarecida essa questão, as aulas de Língua Portuguesa devem investir em uma metodologia que reconheça e valorize esse domínio e, partindo desse reconhecimento, propor ao aluno atividades que, de fato, contribuam para que ele "possa vir a dominar efetivamente o maior número possível de regras, isto é, que se torne capaz de expressar-se nas mais diversas circunstâncias, segundo as exigências e convenções dessas circunstâncias"( POSSENTI, 2006: 83). Nessa perspectiva, está pressuposto que a norma padrão deve ser ensinada como uma das várias formas de uso da língua e, por essa razão, ela pode ser plenamente adequada a algumas situações e drasticamente inadequada a outras.
Dinâmica das palavras soltas
O amor, a amizade, a paixão e o carinho pressupõem afetos. Quando as suas expectativas são correspondidas despertam alegria, ilusão e saudade. Quando não correspondidos, geram desafetos, como tristeza e desilusão. No primeiro caso, a ausência gera a saudade e, no segundo caso, o perdão alimenta a possibilidade de resgate da relação.

(26/06) Ensinar a língua materna ou a gramática normativa?/ Encontro XII

Após a leitura do divertido "O sotaque das mineiras" (autor desconhecido), mais uma vez, veio à tona uma discussão acerca de como a escola deve lidar com o repertório lingüístico que o aluno já traz de casa e das suas outras relações sociais. Creio que a questão central não seja ensinar ou não gramática, mas que gramática ensinar e como ensiná-la. O professor deve promover atividades de reflexão gramatical que se voltem para o desenvolvimento da competência interacional do aluno e, nessa perspectiva, conforme a professora Marcia Bortone, o ensino da norma padrão não pode estar desvinculado do aspecto sociopragmático da língua (BORTONE, 2008). As aulas de Língua Portuguesa devem estar, portanto, abertas para as mais diversas situações comunicativas, seja nas atividades de produção de textos orais e escritos, seja nas atividades de leitura. O grande desafio do professor é entender e, principalmente admitir, que ensinar a gramática normativa não significa ensinar alguém a falar uma língua. Muitos de nós conhecemos a gramática do inglês, entretanto não o falamos; alguns pessoas, ao contrário, falam fluentemente espanhol, mas nunca estudaram esse idioma nem passaram noites em claro fazendo a análise sintática de um texto em espanhol. Diante disso, em minhas aulas, tenho procurado compreender o quão desnecessário é insistir em esinar aquilo que meu aluno já domina. Por que, por exemplo, devo trabalhar todas as regras de concordância se ele já é capaz de usar várias delas no seu dia-a-dia? Ou seja: quando ele fala ou escreve "As pessoa falaram demais.", reconheço, em primeiro lugar, que essa construção é comum na fala de vários brasileiros, inclusive no universo daqueles com maior grau de escolaridade e, em segundo lugar, que a concordância não é um problema para ele (nem mesmo quando emprega "pessoa"). Em seguida, tento fazê-lo compreender que, em situações formais, ele deverá empregar "pessoas" para atender a uma convenção e não se expor ao preconceito lingüístico.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

(19/06) Autonomia do Aluno/ Encontro XI

Pausa para avaliação: Por que o portfólio pode ser um instrumento importante para o desenvolvimento da autonomia do aluno? De acordo com a professora Benigna, em seu livro "Portfólio: Avaliação e Trabalho Pedagógico", mais do que um registro pessoal, o portfólio não só contribui para o desevolvimento de sujeitos autônomos, como também favorece a avaliação processual, pois permite tanto ao aluno quanto ao professor o conhecimento mais próximo da realidade em que se encontra o processo de ensino-aprendizagem. Longe de ser uma avaliação arbitrária e punitiva, esse instrumento permite uma análise mais coerente dos avanços e das dificuldades dos sujeitos envolvidos em uma ação pedagógica.

(12/06) Outro bate-papo com a professora Sônia/ Encontro X

O segundo encontro com a professora Sônia Maria Soares ampliou a discussão acerca das propriedades do texto. Se ler é um processo dialógico, é natural que haja um entrecruzamento de experiências em todo ato de leitura e, conseqüentemente, uma identificação imediata ou um total estranhamento por parte do leitor. Em outras palavras, se o professor oferece à turma a oportunidade de uma leitura condicionada apenas ao reconhecimento dos aspectos lingüísticos, é bastante provável que, mesmo tendo reconhecido todos os signos do texto, os alunos não vejam sentido algum no que leram. É necessário, então, que se faça um trabalho de apresentação do contexto (social, político, cultural, etc) a que o texto se refere, que sejam acionadas as experiências de mundo dos alunos, que sejam reconhecidas as propriedades do gênero textual, que se identifiquem as marcas que levam às inferências, enfim, que sejam oferecidas aos leitores as informações necessárias para que ocorra uma leitura significativa. Deve-se, portanto, fundamentar todo o trabalho desenvolvido em sala de aula na perspectiva da intersemiose, segundo a qual uma leitura só se realiza quando ocorre a associação entre os sujeitos desse processo: o escritor/ falante e o leitor/ ouvinte.

(05/06) Currículo: Sugestões de Mudança/ Encontro IX

A realização da "Oficina de idéias" contribuiu, de fato, para que os professores pudessem ser ouvidos sobre o que pensam no tocante ao rumo que têm tomado as discussões que envolvem o ensino da Língua Portuguesa. Historicamente, as decisões sobre metodologias e linhas de ação eram impostas pelas instâncias superiores sem que os professores sequer participassem desse processo. O resultado, por melhor que fosse a mudança, era uma prática distorcida da teoria ou uma forte resistência por parte daqueles que estavam em sala de aula. Entretanto, encontros como esse parecem sinalizar para a aproximação entre os especialistas e os educadores na perspectiva de que a sintonia entre a teoria e a ação pedagógica possa resultar na construção de uma escola que corresponda às necessidades reais dos seus alunos.

(27/05) Fórum de Literatura/ Encontro VIII

A palestra com os autores Jonas Ribeiro e André Neves reforçou a convicção de que o trabalho com a leitura na escola só é significativo quando o professor investe em uma metodologia que valoriza as experiências do aluno. Nesse sentido, espera-se que a abordagem de um texto não esteja restrita à análise da sua dimensão lingüística. Ler com proficiência é lançar um olhar intersemiótico sobre o texto- autor e leitor cruzam seus horizontes de experiências.Partindo do pressuposto de que todo texto tem uma finalidade social, o professor deve conduzir o aluno para a identificação do contexto ao qual se refere e no qual se insere o texto. Agindo assim, ele desenvolve no aluno as habilidades necessárias para uma leitura que engloba todas as dimensões textuais, as informações explícitas e implícitas, a intencionalidade discursiva, etc.

(15/05) Dialogismo e Estética da Percepção/ Encontro VII

Fantástico o encontro com a professora Sônia Maria Soares! Ela, de uma forma competente, tratou de um ponto fundamental e que não pode se limitar ao professor de Língua Portuguesa: o trabalho da escola com a leitura. Em seu discurso sobre Interação e Dialogismo, ela reafirmou a necessidade de se rever os conceitos de texto, discurso e interação. Diferentemente das aulas tradicionais que privilegiam a leitura como mera decodificação de signos lingüísticos, a professora chamou a atenção para a essência dialógica e contextual de todo texto. Para Roger Chatier, ler é "apropriar-se do, inventar e produzir significados". Nessa perspectiva, ficou claro que o professor só colabora para a proficiência da leitura do aluno quando compreende que:
  1. a leitura demanda conhecimento prévio (leitura de mundo);
  2. os olhares de quem escreve/fala podem ou não se aproximar dos horizontes de experiência de quem lê/ouve;
  3. todo texto tem uma função sociopragmática e, por essa razão, está estritamente ligado a um contexto;
  4. os elementos co-textuais ( os signos visíveis no texto) conduzem para o infratexto (aquilo que não está explícito no texto).

A partir dessa compreensão, o professor poderá educar o aluno para uma metodologia de leitura que não considera apenas as questões lingüísticas como "reveladoras" das mensagens de um texto, mas também as experiências de mundo dos sujeitos envolvidos pelo texto ( o emissor e o receptor), o contexto social e as relações intertextuais.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

(08/05) Encontro VI: Língua e Diversidade

A partir da leitura da entrevista concedida por Marcos Bagno à revista "Caros Amigos", entraram em cena dois importantes conceitos: variação e mudança lingüística. Segundo BAGNO, o fato de a Gramática Tradicional ter se dedicado exclusivamente à língua escrita explica o seu caráter elitista. Em outras palavras, se as línguas sempre foram muito mais faladas do que escritas, se ainda hoje são várias as pessoas que morrem sem saber ler ou escrever( mas sabendo falar a sua língua materna) e se os primeiros filólogos basearam-se apenas nas regras gramaticais empregadas pelos autores clássicos para descreverem a língua de um povo, é natural que, desde os primeiros estudos lingüísticos, o uso oral das línguas (praticado pela maioria) tenha sido desprezado, sobretudo por estar associado à parte analfabeta da população. Conseqüentemente, passou a ser considerado "correto", mesmo em situações informais, o uso da língua que imitasse as regras utilizadas por esses autores.
Infelizmente, essa concepção ignorou a heterogeneidade inerente a toda língua, instaurou o preconceito lingüístico e perpetuou-se até as salas de aula do século XXI. A maioria dos alfabetizadores e dos professores de Língua Portuguesa ainda reproduzem o mito do "erro" em suas aulas. A diversidade lingüística ainda é, para grande parte dos educadores, sinônimo de violação à língua. Pensando assim, eles ocupam todo o seu tempo com o ensino de regras da gramática normativa para que o aluno "aprenda a falar o português correto", mesmo quando esse português esteja completamente distante da realidade sociocultural do brasileiro ou ainda nem seja mais usado na própria sociedade portuguesa.
Será que a desmotivação, a apatia e a dificuldade que o professor identifica nos alunos não representam reações a uma "língua estranha" de quem se sente ignorado em sala de aula como um sujeito conhecedor da sua língua materna? Os alunos devem mesmo abandonar o seu repertório lingüístico para aprenderem a norma padrão? Como o professor deve propor à turma o ensino da gramática normativa?

sexta-feira, 18 de julho de 2008

(17/04 e 24/04) Repensando os encontros IV e V

Rubem Alves, em seu belíssimo texto "Campos e Cerrado", faz uma analogia da depredação ambiental com o processo de ensino-aprendizagem: até que ponto a ação pedagógica destrói a natureza do indivíduo, sua referências, sua história, seus valores e, por que não, o seu repertório lingüístico? Depois da leitura desse texto, retomo aqui questões referentes ao ensino da língua materna e à variação lingüística. Trabalhar em sala de aula apenas a língua do ponto de vista lingüístico é perpetuar o discurso da Gramática Tradicional. As aulas transformam-se em enfandonhas análises das frases em si mesmas, algo distante e , às vezes, até mesmo, inacessível para a maioria dos alunos. Talvez isso explique os elevados índices de reprovação e as profundas dificuldades de leitura e produção de textos dos alunos que concluem o Ensino Médio. O ensino da norma padrão não pode ratificar o preconceito, a estigmatização e a exclusão social. Também não pode transformar-se no "samba do crioulo doido" permitindo tudo ( com o argumento de que comunicar-se é o que vale) e condenando a norma padrão. As variedades lingüísticas devem ser tratadas como legítimos e eficientes meios de comunicação em seus respectivos grupos e em determinadas situações e a norma padrão, uma convenção da cultura letrada, deve ser tratada na escola como um instrumento que permite ao aluno o acesso, de modo consciente e crítico, a outras esferas de interação. De acordo com o professor Sírio Possenti, “pode-se ensinar o padrão sem estigmatizar e humilhar o usuário de formas populares.” (POSSENTI, 2006:39). Portanto, entendendo que compreender uma língua implica não só ser capaz de expressar-se como emissor, mas também ser capaz de captar as distinções na fala de terceiros como ouvinte/leitor para compreender de forma segura as mensagens que lhe são transmitidas, o professor de Língua Portuguesa deve investir em estratégias pedagógicas que favoreçam o processo de ensino-aprendizagem da língua materna numa perspectiva que contemple todas as possibilidades de variação como plenamente funcionais desde que adequadas a um contexto, ou seja, assim como o uso do "internetês" não seria adequado a uma situação formal, o uso da norma padrão não seria o mais adequado, por exemplo, a uma situação na qual um adulto conversa com uma criança de 2 anos.

(03/04 e 10/04) Para que ensinar a norma padrão? Reflexões sobre os encontros II e III

Ensinar a língua portuguesa expõe o professor do século XXI a um grande desafio: lidar com as novas possibilidades lingüísticas ( cada vez mais novas e em maior número, porque são oriundas do acelerado processo de trasnformações inerentes a todo indivíduo e a todo grupo social do mundo globalizado) e, ao mesmo tempo, desenvolver no aluno o conhecimento sistematizado da norma padrão. Nessas circustâncias, normalmente pais, alunos, escola , mídia, enfim, a sociedade em geral se pergunta: se o aluno já usa com competência a língua mesmo antes de chegar à escola, por que ensinar-lhe o que ele já faz muito bem? Por que a escola insiste tanto em ensinar justamente a língua na forma que é menos usada no cotidiano do brasileiro? O repertório lingüístico do aluno deve ser acolhido e tratado como objeto de estudo pelo professor ou deve ser encarado como manifestações erradas ou deficientes da língua? Diante desse contexto, a professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, em seu livro "Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula", chama a atenção para a necessidade de a escola começar a rever a sua postura em relação ao ensino da língua materna em prol de uma educação que garanta ao aluno a chance de lutar pela cidadania com os mesmos instrumentos disponíveis para os falantes já pertencentes às camadas sociais privilegiadas (BORTONI-RICARDO, 2004). Em outras palavras, ensinar a gramática não pode mais significar a supervalorização da norma padrão em detrimento das suas mais variadas formas de uso. Cabe ao professor a tarefa de, partindo do pressuposto de que "toda e qualquer variedade lingüística é plenamente funcional" (BAGNO, 2007: 48), valorizar o aluno como usuário competente da língua e propor-lhe o ensino da norma padrão tendo em vista ampliar ( e não unificar) as suas possibilidades de interação. Essa postura, contempla o desenvolvimento da competência lingüística do aluno, tornando-o capaz de fazer uso, de maneira crítica e autônoma, da norma padrão como apenas mais uma das variações da língua, já que, assim como o regionalismo, a gíria, o “internetês” etc., ela também pode ser adequada ou inadequada conforme o contexto de interlocução.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

(27/03) Memorial :Reflexões de um professor em aprendizagem/ Ecos do encontro I



Sou um legítimo “baianeiro”. Nascido em Brasília, filho de pai baiano e mãe mineira, fui criado em condições que, sem dúvida, determinaram a minha formação como professor e, especialmente, a minha paixão pela língua portuguesa. Do lado paterno, trago, desde a infância, o gosto pelas histórias que evocam o mar e os seus ilustres personagens: marinheiros, sereias e as gentes de porto. Da parte materna, aprendi a descobrir o mundo como quem se abre para a realeza dos “causos” do sertão de Minas Gerais.
Esse ambiente, permeado pelas imponentes narrativas dos meus pais, construiu um laço importante em nossa casa. Meus irmãos e eu passamos a dar uma atenção especial àquilo que nos era ensinado, sobretudo porque estabelecemos um clima muito favorável à boa interlocução: ouvíamos muito e começamos a aprender a ser ouvidos. Eu, particularmente, já aos 14 anos, comecei a compreender como essas histórias, de repente, passavam a fazer sentido na minha vida pessoal e escolar: tornei-me um apaixonado pela leitura. Amava ler tudo: desde os rótulos das embalagens até grandes clássicos da literatura.
Descobri, um pouco mais tarde, que a facilidade de comunicação, a capacidade de tomar iniciativas, sozinho ou em grupo, a sensibilidade para conhecer o outro e o espírito de liderança eram o principal legado da minha educação familiar. Ter sido um ouvinte assíduo dos meus pais representou para mim a oportunidade de vestir a pele das personagens, entender as diferenças e as semelhanças entre os indivíduos, as suas mais variadas relações com o grupo e a importância da comunicação para a evolução do ser.
Era emocionante reconhecer que, embora apenas alfabetizados, meus pais eram grandes mestres. Contraditoriamente, sentia certa tristeza quando concluía que, com uma formação acadêmica, talvez eles pudessem ter educado muito mais pessoas e conquistado o respeito como educadores em uma concepção mais ampla do que o contexto familiar.
Com esse histórico de família e de vida, mesmo cursando o Científico (atual ensino médio), entendi que a minha realização nos campos pessoal e profissional só seria possível dentro de uma escola e atuando como professor. E, mais uma vez, estava diante de uma situação que me remetia à educação de casa, fundamentalmente relacionada com a língua pelas leituras e audições de histórias. Decidi, então, pela língua portuguesa e, em 1989, aos 18 anos, ingressei no curso de Letras.
Na universidade, o contato com os discursos de professores e teóricos e a relação mais sistemática com a literatura pareciam dialogar com a minha leitura de mundo construída desde a infância. Essa identificação foi determinante para que os novos conhecimentos, sem que anulassem as minhas experiências anteriores, ganhassem sentido na minha vida. Esse encontro de valores também foi fundamental para o bom desenvolvimento da minha formação acadêmica. Além de me proporcionar conhecimento técnico, a graduação foi responsável pela humanização do meu pensamento sobre o fazer pedagógico: passei a reconhecer que não teria sido um bom aluno universitário se a minha trajetória de vida não tivesse sido acolhida naquele momento.
Em 1993, iniciei minha carreira como professor da rede pública com a convicção de que as minhas aulas não poderiam ser meras reproduções de conteúdos sistematizados: elas deveriam dialogar com as experiências de vida e com os interesses dos meus alunos. Acreditava completamente que, sozinho, não seria capaz de promover uma aprendizagem significativa. Era a hora de despertar aquele menino que aprendera a ouvir com as já velhas histórias da infância para buscar no aluno informações essenciais para a preparação das aulas. Apesar de “calouro” na Secretaria, estava clara para mim a importância de um planejamento pedagógico voltado para a realidade na qual estavam inseridos os jovens do curso Técnico em Eletrônica da minha escola no Gama. Qual seria a importância do ensino da língua portuguesa para eles? Como promover momentos significativos de aprendizagem para as minhas turmas? De que maneira constituir a relação de parceria entre os sujeitos (os alunos e eu) do processo pedagógico a ser desenvolvido em sala de aula?
Como se não bastassem esses questionamentos, as coordenações pedagógicas ou ocupavam-se com as questões administrativas, ou transformavam-se em um difícil trabalho isolado e silencioso. Quase nunca ocorriam oportunidades de discussão e troca de experiências entre o corpo docente e os demais segmentos da comunidade escolar. O resultado dessa vivência foi a profunda dificuldade que encontrei para estabelecer um vínculo com os meus alunos e assim motivá-los a se reconhecerem, dentro da sua existência individual e sociocultural, como seres que assumiriam comigo o papel de protagonistas da sua aprendizagem.
A minha primeira atitude, após esse período, foi a de planejar aulas a partir de textos e situações relacionados com a área de interesse da formação técnica pela qual eles optaram ou com questões que valorizassem o seu cotidiano. A participação produtiva das turmas e a redução do número de alunos faltosos indicavam o sucesso desse planejamento. Entretanto, contrariando os prognósticos, o índice de reprovação mantinha-se a cada bimestre em um patamar incômodo, o que também se refletiu no final do ano letivo.
Infelizmente, só fui entender esse fracasso no ano seguinte quando passou a ser comum a reclamação dos estudantes diante da falta de sintonia entre as práticas de sala de aula e as exigências do mercado de trabalho. Segundo eles, esse problema era a razão da sua falta de perspectiva e, conseqüentemente, do elevado número de reprovação e de evasão escolar. A pertinência da insatisfação desses jovens veio à tona com as profundas reformas do ensino médio prescritas pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação nacional em 1996.
Mesmo assim, desde essa época, ouvir o aluno antes de qualquer ação pedagógica tem sido para mim a condição para que se possa promover, de fato, educação de qualidade. Nos últimos anos, porém, tenho enfrentado várias situações adversas para que se cumpra essa minha condição. O número elevado de alunos, a carga horária desgastante, a falta de coordenadores pedagógicos capacitados para atuarem como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem e o desinteresse do Estado pela formação continuada do educador tornaram-se inimigos em potencial de uma escola voltada para a formação de cidadãos plenos e autônomos e fundamentada no trabalho de construção de sentidos na vida dos jovens.
Nesse contexto, minha ação, como a de vários outros educadores da Secretaria, foi sufocada por essas adversidades e, o que é pior, a sala de aula também passou a sufocar: se, por um lado, reconhecia a importância de garantir aos alunos o direito de se posicionarem diante da sua aprendizagem; por outro, sofria com a dificuldade de criar as condições ideais para que essa oportunidade se concretizasse: à maioria deles era negado ou ignorado o exercício desse direito. E a esse impasse eles respondem muito bem, pois, apesar de a população de jovens no Brasil ter aumentado, o número de estudantes no ensino médio tem decaído gradativamente.
Hoje, poder resgatar o aluno que adormeceu em mim, desde os tempos da graduação, tem sido muito gratificante. O reencontro com a leitura de textos acadêmicos e a discussão com os colegas de curso começam a apontar para alguns caminhos de superação dessas dificuldades. Muitas das questões abordadas em nosso curso transformaram-se em ricos momentos de reflexão em minhas aulas. Sempre confiante no diálogo com o aluno, tenho apresentado às minhas turmas alguns dos questionamentos que permeiam as nossas dicussões, tais como a diversidade lingüística e o ensino da norma padrão e o preconceito lingüístico. E assim a cumplicidade entre nós fortaleceu-se: descobrimos, juntos, que igualmente estamos em busca de uma escola pautada no compromisso de oferecer aos jovens habilidades e competências para que assumam o papel, de forma crítica e consciente, como protagonistas da sua própria história. Descobri também que eles se sentem co-autores das aulas quando eu consigo planejar atividades que atendem às necessidades e expectativas apresentadas em nossas discussões.
Na condição de professor-aprendiz, meu desejo é que, a cada nova leitura, a cada novo encontro e cada nova discussão, eu me sinta provocado a despertar o meu papel de sujeito-parceiro dos alunos na construção de conhecimentos. Cegar-me à realidade em que atuo como educador, atitude mais cômoda em face das difíceis condições de trabalho, significa negar a sábia capacidade de ouvir o outro, ensinamento dos meus pais, e recusar-me à compreensão do aluno, na plenitude da sua existência, como um ser que tem o direito de desenvolver as suas potencialidades para cumprir o dever de transformar a sua vida e o seu meio em prol de uma sociedade mais justa.