quarta-feira, 24 de setembro de 2008

(31/07) Oralidade e escrita/ Encontro XIV

Assistimos a "Narradores de Javé", de Eliane Café. Além de possuir uma narrativa fantástica e de recriar de forma poética o encontro de vários "Brasis", o filme coloca em xeque um tema instigante: o poder exercido por aqueles que detêm a escrita sobre os que conhecem apenas a língua falada. Conta a história de um povoado que, ao saber da iminência de ter seu vilarejo inundado pelas águas de uma represa, vê, como único modo de impedir o acontecimento, a transformação do local em um patrimônio da humanidade. Para isso os moradores decidem passar para o papel todas as lendas sobre a origem de Javé, mas, como são todos analfabetos, chamam o escrivão local Antônio Biá para escrever um livro sobre o vilarejo. Acontece que Biá tinha sido banido de Javé por ter difamado praticamente toda a população através de cartas que ajudaram a salvar seu emprego nos Correios locais. Mas, no desespero que as tornam dependentes de um "escrivinhador", as pessoas da cidade acabam dando essa oportunidade de o escrivão se redimir. A partir daí, Biá passa a ir de casa em casa na região a fim de registrar no papel as lendas guardadas nas cabeças dos moradores de Javé. O único problema é que cada morador conta uma história diferente, e sempre defendendo os interesses de seus antepassados. De modo análogo ao filme, o professor, quando impõe ao aluno apenas o uso da norma padrão como "fala correta" , reforça o discurso que privilegia o preconceito lingüístico e desqualifica os indivíduos iletrados ou menos escolarizados como legítimos falantes do português brasileiro. Assim, estabelece uma relação sinistra de poder: só quem sabe as regras do "bom falar" será bem-sucedido, pois é inteligente e tem competência. Entretanto, segundo o professor Marcos Bagno, " a norma padrão não faz parte da língua, isto é, não é uma das variedades lingüísticas empiricamente observáveis no uso dos falantes em comunidade. (...) não existe língua, variedade e dialeto sem falantes reais, e ninguém fala a norma padrão." (BAGNO, 2008: 98). Em outras palavras, nem mesmo os falantes da norma "culta" seguem a norma padrão. Pense bem: será que somente os analfabetos e os demais "maus" falantes de português dizem "biscoitu" (biscoito), "penti" (pente) e "robo"(roubo)? Quantos falantes "cultos" usam, mesmo nas situações de extrema formalidade, "Fi-lo", "Dar-te-ei" e "Estes são elementos com CUJA ajuda podemos contar em nosso trabalho." ?

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